Um certo Nicolau Maquiavel


Estive certa vez em Florença para cumprimento de ordens superiores. A conhecida cidade natal de Dante Alighieri, situada na região da Toscana, era realmente lindíssima e moderna. Como parte de minha abençoada missão, lá tive a oportunidade de observar um certo Girolamo Savonarola, e de também acompanhar a imposição de um belíssimo auto de fé. Isto ocorreu por volta de 1495, com certeza, embora já me falhe um pouco a memória.

À noite, durante uma confraternização, conheci um jovem bastante dedicado, conhecedor dos assuntos políticos, sobretudo relacionados ao principado e à realeza. Seu nome, disse-me ele, era Nicolau Maquiavel. Era um sujeito muito bem vestido, alto, olhos esbugalhados e nariz protuberante. Numa breve porém proveitosa conversa, ele me contou que seu grande objetivo na vida era entrar na vida pública. Pois amava imaginar-se como conselheiro de príncipes e reis, conferindo-lhes diariamente orientações e conselhos.

Confesso que de repente me vi atento, meu interesse logo se aguçou, pois poderia estar diante de um herege. Resolvi então sondá-lo e passei a dar-lhe cordas para a conversa fluir. Solicitei que falasse mais a respeito, que me desse exemplos do que seriam as tais orientações e conselhos. Então ele me contou sobre algumas de suas idéias, e que justamente naquele momento estava escrevendo sobre como deveria ser o relacionamento do príncipe com seus ministros. Um príncipe, acreditava ele, para que possa conhecer seu ministro, há um método que nunca falha: quando você vir que o ministro pensa mais em si que no soberano, e que em todas as suas ações ele só visa ao próprio interesse, tal sujeito jamais será bom ministro, e você nunca poderá confiar nele. Pois aquele que tem o Estado de alguém nas mãos jamais deve pensar em si, mas sempre no príncipe, sem o importunar com assuntos que não lhe dizem respeito.

Aquelas palavras giraram e fixaram em minha cabeça, mas confesso que não compreendia muito bem o que ele tencionava dizer. Na verdade eu já andava doente por essas alturas e o tal Maquiavel, com sua inteligência rudimentar e com aquelas idéias mal-ajambradas, estava destinado ao fracasso e completo ostracismo. Além do mais, era um sujeito extremamente pedante, diga-se de passagem, e com o péssimo costume de aproximar-se bastante do interlocutor enquanto fala - e seu hálito era surpreendentemente desagradável.  Despedi-me e no dia seguinte já retornava eu para o conforto de meu mosteiro em Ávila, na minha querida Espanha.

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